sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O Porto será sempre a minha casa

Nasci a 16 de março de 1970, no Porto. Como filha única de uma família proprietária de umas famosas Caves do vinho do Porto, tive uma infância feliz e protegida.
Passei a minha infância entre a casa dos Aliados, onde com frequência havia grandes festas e jantares com elementos da alta sociedade portuense, e a quinta no Douro.
Durante os passeios que costumava dar com a minha mãe pelo Porto, sempre que passávamos pela Ribeira lembro-me de ver as crianças a saltar da ponte D. Luís para o Douro. Eu como criança de espírito aventureiro também o desejava fazer. Uma vez perguntei à minha mãe se também poderia saltar e esta, em pânico, imediatamente me disse que nunca mais pensasse em tal coisa pois seria um enorme escândalo e uma grande vergonha para os meus pais. Ainda acrescentou que uma menina como eu nunca poderia fazer tal coisa e, para além disso, iria estragar o vestido e os sapatos que o meu pai tinha trazido numa das suas viagens de negócios a Inglaterra e que lhe tinham custado bastante dinheiro.
Cresci com filhos de gente importante mas não os considerava como meus amigos pois estes eram bastante diferentes de mim. Eu sentia-me oprimida e não gostava de ter sempre de seguir as regras socialmente impostas (para não ser julgada pelos amigos dos meus pais). Esses amigos que me tentavam impor, adoravam essa forma de estar na vida, achavam-se superiores, eram arrogantes e bastante cruéis para as crianças que andavam connosco na escola mas que, supostamente, seriam de um estatuto social inferior ao nosso. Entre eles, apenas um era diferente, o Ricardo, que eu considerava meu amigo, pois na escola era forçada a conviver com os filhos dos amigos dos meus pais e nos meus tempos livres não estava autorizada a sair de casa sozinha.
Na minha adolescência fui conquistando um pouco mais de liberdade. Continuava a ter de conviver com os jovens de alta sociedade nas festas e na escola para não parecer mal, mas fora disso divertia-me a passear pelas ruas do Porto e sempre que passava pela Ribeira continuava a admirar secretamente as crianças que saltavam para o rio. Eu e o Ricardo aproximámo-nos muito, pois éramos o único verdadeiro amigo um do outro e éramos bastante parecidos. Nenhum de nós gostava dos outros nem da opressão a que essa vida levava, por isso, sem os nossos pais saberem, fartávamo-nos de fazer brincadeiras pela cidade. Passeávamos pelos parques e pelas ruas, conversávamos horas sem fim, imaginávamos o que poderíamos fazer se não tivéssemos regras. Corríamos as livrarias da cidade (pois ambos adorávamos ler), mas a nossa preferida e onde passávamos a maioria do nosso tempo era a livraria “Lello e Irmão”.
Os anos passaram e quando tinha dezoito anos, em 1988, os meus pais faleceram, vítimas de um acidente aéreo. A sua morte foi o grande ponto de viragem da minha vida. A minha relação com o Ricardo, por quem já estava perdidamente apaixonada, evoluiu e começamos a namorar. Decidi ir para a Islândia tirar uma licenciatura em geologia (o Ricardo foi comigo) mas antes de partirmos fiz o que sempre quis fazer, e saltámos os dois da ponte de D. Luís para o rio.
Depois de ambos termos terminado os nossos cursos, decidimos gastar o dinheiro que tínhamos herdado dos nossos pais (os pais do Ricardo faleceram enquanto estávamos na Islândia) viajando pelo mundo fora. Conhecemos tantos lugares maravilhosos e vivemos experiências inesquecíveis. Casámos em Paris, na cidade do amor, em 1995.
Voltámos para o Porto quando o dinheiro se acabou (o que sempre planeamos). Nenhum de nós queria viver à custa do dinheiro dos pais, nem ter a vida social que costumávamos ter, mas queríamos construir uma vida no Porto que era uma cidade que nos era tão querida. Ali no Porto, fomos viver para um apartamento modesto e mais tarde mudamo-nos para uma casa um pouco maior e com o suor do nosso trabalho, construímos a vida que sempre desejámos. 
Em 1997 e 1999, tivemos duas filhas, a Emma e a Emily, duas meninas muito perspicazes e inteligentes, de quem eu me orgulho muito.
A casa onde vivemos, é uma bela casa, confortável e acolhedora, e muito bem decorada mas não é isso que eu mais gosto nela… É a sua localização, a nossa casa é mesmo em frente da nossa livraria preferida, a livraria “Lello e Irmão”, que hoje é bastante conhecida e à qual foram atribuídos vários prémios e distinções a nível internacional devido à sua beleza. Hoje em dia também é reconhecida pelo facto de ser sido uma inspiração para a famosa saga do “Harry Potter”. J. K. Rowling, quando vivia no Porto, costumava frequentar a livraria (infelizmente nenhum de nós se lembra de se ter cruzado como ela) e inspirou-se nela para criar os cenários das suas obras. Quando ouvimos falar dos livros e, apesar de estarem classificados como livros juvenis, resolvemos lê-los ficámos apaixonados. Ao ver os filmes, vi-mos os diferentes cenários (as lojas da Diagon-al, as escadarias do castelo,  Hogsmeade e, Hogwarts em si) e lembrávamo-nos sempre da livraria e das nossas memórias com ela relacionada. Esta saga tornou-se algo bastante importante para a nossa família, pois as nossas filhas (talvez por “contágio emocional”) também se apaixonaram pela saga. Houve vários carnavais em que nos mascarámos de personagens, todos temos mantos feitos à medida e uma coleção de artigos relacionados com a saga espalhados pela casa (até o nosso tapete da entrada diz “Welcome to Hogwats”), bem como um monte de piadas privadas relacionadas com a saga.
Até agora vivi uma vida feliz e sinto-me bastante realizada. Fiz algumas asneiras na minha vida mas não me arrependo de nenhuma delas, pois tudo o que experienciei faz de mim o que sou hoje e não mudaria nada. Espero agora para ver o que a vida ainda me trará, com a certeza que não mais negarei um único salto para o Douro.






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