terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

9 de Fevereiro de 1916




Querido diário,


Ainda me lembro como se fosse ontem do dia em que o conheci. Foi na livraria Lello, no Verão quente de 1914. Estava encostado a uma estante, com um ar despreocupado, natural. Viu-me e sorriu. Senti-me corar. Ele veio falar comigo. Nunca me tinha preocupado muito com a minha aparência, porém nesse momento senti-me consciente dos meus caracóis loiros despenteados, do meu vestido de menina… Disse-me olá. Balbuciei algo parecido a um olá. Ele viu para além da minha figura desastrada e nesse dia falámos por horas. Encontrámo-nos ali todos os dias dessa semana, fomo-nos aproximando. O Verão foi magnífico e o último dia perfeito. Estávamos sentados num banco à beira do rio Douro. Ele brincava com o meu cabelo despreocupadamente. Eu estudava as suas expressões, parecia distante, envolto em pensamentos. Os seus olhos eram azuis como o mar em dia de tempestade e fitavam-me. Fiquei preocupada e devia. No momento seguinte, ele disse a pequena palavra que ia mudar tudo. 
Agora acabou repentinamente, sem porquês, sem razões. Diria que estou devastada, mas não estou. Conclui que apenas podemos sentir dor até uma determinada altura e depois fica camuflada, fechada num canto da nossa alma. O que fiz de mal? Onde errei? Eu deveria ter sabido que ia acabar, eventualmente tudo acaba. Não consigo parar de pensar nas promessas que foram quebradas. A minha mãe prometeu-me ficar comigo para sempre. Não ficou. O meu pai prometeu-me ficar comigo para sempre. Não ficou. Ele prometeu ficar comigo para sempre. Não ficou. A culpa é minha por ter acreditado.
Acabou tudo no banco onde começou. Estava a chover, ele olhou para mim e disse-me que já não dava, que já não era o mesmo. Entrei em choque, contudo obriguei-me a controlar os meus sentimentos e a reter as lágrimas. Não respondi. Virei as costas e vim para casa, onde agora te escrevo, ainda com as roupas encharcadas. Já tentei escrever esta entrada 77 vezes, 77 vezes rasguei a página. Tento convencer-me que é melhor assim, talvez seja. Quero-o culpar. Culpá-lo por não me ter apoiado quando o meu pai morreu há 5 meses atrás. Culpá-lo por me ter abandonado sem explicação. Culpá-lo porque agora estou completamente à nora.  
            E odeio-me. Odeio-me por ter saudades dele. Odeio-me por o ter amado.

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