Querido diário,
Ainda
me lembro como se fosse ontem do dia em que o conheci. Foi na livraria Lello,
no Verão quente de 1914. Estava
encostado a uma estante, com um ar despreocupado, natural. Viu-me e sorriu.
Senti-me corar. Ele veio falar comigo. Nunca me tinha preocupado muito com a
minha aparência, porém nesse momento senti-me consciente dos meus caracóis
loiros despenteados, do meu vestido de menina… Disse-me olá. Balbuciei algo
parecido a um olá. Ele viu para além da minha figura desastrada e nesse dia
falámos por horas. Encontrámo-nos ali todos os dias dessa semana, fomo-nos
aproximando. O Verão foi magnífico e o último dia perfeito. Estávamos sentados
num banco à beira do rio Douro. Ele brincava com o meu cabelo
despreocupadamente. Eu estudava as suas expressões, parecia distante, envolto
em pensamentos. Os seus olhos eram azuis como o mar em dia de tempestade e
fitavam-me. Fiquei preocupada e devia. No momento seguinte, ele disse a pequena
palavra que ia mudar tudo.
Agora acabou repentinamente, sem porquês,
sem razões. Diria que estou devastada, mas não estou. Conclui que apenas
podemos sentir dor até uma determinada altura e depois fica camuflada, fechada
num canto da nossa alma. O que fiz de mal? Onde errei? Eu deveria ter sabido
que ia acabar, eventualmente tudo acaba. Não consigo parar de pensar nas
promessas que foram quebradas. A minha mãe prometeu-me ficar comigo para
sempre. Não ficou. O meu pai prometeu-me ficar comigo para sempre. Não ficou.
Ele prometeu ficar comigo para sempre. Não ficou. A culpa é minha por ter
acreditado.
Acabou tudo no banco onde começou. Estava a
chover, ele olhou para mim e disse-me que já não dava, que já não era o mesmo.
Entrei em choque, contudo obriguei-me a controlar os meus sentimentos e a reter
as lágrimas. Não respondi. Virei as costas e vim para casa, onde agora te
escrevo, ainda com as roupas encharcadas. Já tentei escrever esta entrada 77
vezes, 77 vezes rasguei a página. Tento convencer-me que é melhor assim, talvez
seja. Quero-o culpar. Culpá-lo por não me ter apoiado quando o meu pai morreu
há 5 meses atrás. Culpá-lo por me ter abandonado sem explicação. Culpá-lo
porque agora estou completamente à nora.
E odeio-me. Odeio-me por ter saudades
dele. Odeio-me por o ter amado.
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