quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Querida Rosa,
Está uma tarde soalheira e aproveitei para vir dar um passeio ao jardim da Estrela, como tantas vezes fizemos juntos. Esta nossa tradição de passar as tardes de domingo neste jardim foi sempre algo a que me agarrei e de que dependia.Recordo como aproveitavas sempre para entrar na basílica e acender uma velinha, rezar por agradecimento. Sempre foste tão crente, tão pura. Quanto a mim considero-me culpado de ceticismo. Já cá não venho tanto quanto gostaria pois os ossos não mo permitem, sinto neles o peso da idade.Estou sentado nas escadas do coreto e escrevo-te enquanto observo crianças a alimentar os pombos. O porquê de te escrever? Talvez por solidão. Como disse Mia Couto "magoa-me a saudade do tempo em que te habitava como o sal ocupa o mar", e magoa-me a mim a tua ausência. Ela debilita-me violentamente. Poderá haver quem diga que não tenho motivos para me queixar, pois vivemos juntos uma vida, e que vida foi essa. Simples é verdade, mas recheada de amor e companheirismo. Envelhecemos como um só, e sendo nós parte da natureza (e todas as coisas da natureza um dia retornam às origens) , a tua hora chegou e tiveste de partir. E como teria sido bom não ter de te observar a fazê-lo. Ao longo dos anos o meu desejo mais sincero era partir primeiro para não ter que ver diante de mim, a minha rosa, a murchar. Pois contigo murchei eu, e já nem toda a água e sol do Universo me fariam belo e forte de novo. No entanto, quiçá, seria esse um desejo egoísta da minha parte.E o amor não é egoísta.
Mas aqui estou, velho, encolhido numas escadas empoeiradas a escrever sob as pernas e com uma intensa sensação de nostalgia ao observar em redor, as árvores, o lago, toda a paisagem em si. Esta nostalgia traz-me conforto, faz-me bem. Sinto o sol nas minhas mão encarquilhadas e sei que está na minha hora também. Todo os carris chegam a um fim e vejo o meu próximo, mas não temo. E é irónico que apesar de ser desconfiado e repleto de dúvidas ás  quais sei que nunca terei uma resposta, estou certo de que estás à minha espera em algum local, (talvez para lá desse túnel que contém a misteriosa luz branca), sentada sobre a relva, sorridente, paciente e cheia de amor. E querida, é essa esperança que me faz jazer aqui, expectante e sem medo. Sobretudo sem medo.
Sempre teu,M.T

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