Querido,
Como estás? Já se passaram 5 anos desde a última vez que te
vi. Lembro-me perfeitamente do dia. Era uma manhã de inverno. Ainda penso na
discussão que tivemos na noite anterior. Lembras-te do porquê de termos discutido?
Foi por causa daquele cadeirão antigo, o teu favorito, onde tu vias os jogos.
Aquele que já estava a ficar velho, que já nenhum tecido se lhe podia pôr em
cima de tão podre que estava.
Lembro-me de ter-te dito que o ia deitar fora, que já tinha
telefonado ao João para o ir buscar. Pediste-me que não o fizesse, pois
adoravas aquele cadeirão, dizias que ele tinha um significado especial para ti.
Mas eu não quis saber, só queria deitá-lo fora para te oferecer um melhor para
os anos, que estavam quase a chegar. Ainda tentas-te demover-me da minha
decisão, mas como já estava muito furiosa e farta do assunto, acabou em
discussão e tu a saíres de casa.
Saíste furioso e irritado, deixando-me sozinha e em lágrimas,
pensando onde é que tu ias daquela forma. As horas passavam e eu sem nada saber
de ti. Sentia-me angustiada e irritada comigo mesma pela forma como falei
contigo e da forma como te tratei, só por causa de um simples cadeirão. Como tu
nunca mais chegavas, e não atendias o telefone, tentei ir procurar-te. Mas como
já era muito de noite e tinha começado a nevar, não fui muito longe e acabei
por voltar para casa. Esperei! Continuei a esperar, até que adormeci. Quando
acordei fui procurar se já tinhas chegado, mas não havia sinal de ti.
Então decidi ir procurar-te, mas antes que eu pudesse sair de
casa, o telefone tocou. Corri na sua direção, e assim que atendi, percebi que
algo estava errado. Era o teu amigo, José da polícia. Ele parecia não estar a
conseguir falar, até que respirou fundo e, com uma voz rouca, como se estivesse
a chorar disse: “Conceição, ele morreu. Teve um acidente de carro e não
conseguiu sobreviver! Lamento muito”.
Nesse momento, senti como se não houvesse chão debaixo dos
meus pés. Senti uma dor aguda no meu peito, como se o meu coração se tivesse
partido. Larguei o telefone. Não queria acreditar no que me estava a dizer, tu
não podias ter morrido! Levei as mãos à cara e reparei que estava molhada, sem
me aperceber, já tinha começado a chorar. Tentei ter forças para me endireitar,
mas não consegui. A única coisa que conseguia fazer era chorar.
Passado um bocado, não sei quanto, bateram à porta. Com muito
esforço, endireitei-me e procurei recompor-me no espelho antes de abrir a
porta. Estava com a cara toda vermelha, em especial, os olhos, mas eu não
liguei. Abri, era o José. Tentei falar, mas nenhuma palavra me saía da boca. Ele
percebeu e, pegando na minha mão, disse: “Vem, vou levar-te para o pé dele. Acho
que tu mereces vê-lo por uma última vez”.
Quando cheguei ao local do acidente, deu-me ainda mais um
aperto no coração. Vi o carro todo espatifado contra a árvore, coberto agora pela
neve. Já te tinham tirado dali, estavas na carrinha dos bombeiros pronto para
ser levado para a morgue. Andei devagar até à carrinha, com receio do que iria
encontrar.
Arranjei forças e entrei. Assim que te vi, lágrimas não
paravam de descer do meu rosto, senti-me desmoronar peça por peça. Não queria
acreditar que estavas mesmo morto, só quando te toquei. Estavas gelado! Queria
tanto dizer que te amo uma última vez, queria dizer que foste o único homem da
minha vida. Mas acabei por não ter tempo suficiente para to dizer. Se ao menos
não tivéssemos tido aquela discussão, tu provavelmente ainda estarias vivo.
Nos primeiros tempos foi-me difícil aceitar que já não
estavas aqui comigo, que já nunca mais te ia ver. Foi difícil e custou-me
muito, mas com o tempo acabei por me conformar. Só quero
que saibas que sinto muitas saudades tuas e de tudo o que passámos. Só quero
que saibas que te amo muito e que nunca vou esquecer as memorias que fizemos
juntos.
Da tua esposa que te ama muito,
Conceição
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