sexta-feira, 5 de dezembro de 2014


Querido,

Como estás? Já se passaram 5 anos desde a última vez que te vi. Lembro-me perfeitamente do dia. Era uma manhã de inverno. Ainda penso na discussão que tivemos na noite anterior. Lembras-te do porquê de termos discutido? Foi por causa daquele cadeirão antigo, o teu favorito, onde tu vias os jogos. Aquele que já estava a ficar velho, que já nenhum tecido se lhe podia pôr em cima de tão podre que estava.

Lembro-me de ter-te dito que o ia deitar fora, que já tinha telefonado ao João para o ir buscar. Pediste-me que não o fizesse, pois adoravas aquele cadeirão, dizias que ele tinha um significado especial para ti. Mas eu não quis saber, só queria deitá-lo fora para te oferecer um melhor para os anos, que estavam quase a chegar. Ainda tentas-te demover-me da minha decisão, mas como já estava muito furiosa e farta do assunto, acabou em discussão e tu a saíres de casa.

Saíste furioso e irritado, deixando-me sozinha e em lágrimas, pensando onde é que tu ias daquela forma. As horas passavam e eu sem nada saber de ti. Sentia-me angustiada e irritada comigo mesma pela forma como falei contigo e da forma como te tratei, só por causa de um simples cadeirão. Como tu nunca mais chegavas, e não atendias o telefone, tentei ir procurar-te. Mas como já era muito de noite e tinha começado a nevar, não fui muito longe e acabei por voltar para casa. Esperei! Continuei a esperar, até que adormeci. Quando acordei fui procurar se já tinhas chegado, mas não havia sinal de ti.

Então decidi ir procurar-te, mas antes que eu pudesse sair de casa, o telefone tocou. Corri na sua direção, e assim que atendi, percebi que algo estava errado. Era o teu amigo, José da polícia. Ele parecia não estar a conseguir falar, até que respirou fundo e, com uma voz rouca, como se estivesse a chorar disse: “Conceição, ele morreu. Teve um acidente de carro e não conseguiu sobreviver! Lamento muito”.

Nesse momento, senti como se não houvesse chão debaixo dos meus pés. Senti uma dor aguda no meu peito, como se o meu coração se tivesse partido. Larguei o telefone. Não queria acreditar no que me estava a dizer, tu não podias ter morrido! Levei as mãos à cara e reparei que estava molhada, sem me aperceber, já tinha começado a chorar. Tentei ter forças para me endireitar, mas não consegui. A única coisa que conseguia fazer era chorar.

Passado um bocado, não sei quanto, bateram à porta. Com muito esforço, endireitei-me e procurei recompor-me no espelho antes de abrir a porta. Estava com a cara toda vermelha, em especial, os olhos, mas eu não liguei. Abri, era o José. Tentei falar, mas nenhuma palavra me saía da boca. Ele percebeu e, pegando na minha mão, disse: “Vem, vou levar-te para o pé dele. Acho que tu mereces vê-lo por uma última vez”.

Quando cheguei ao local do acidente, deu-me ainda mais um aperto no coração. Vi o carro todo espatifado contra a árvore, coberto agora pela neve. Já te tinham tirado dali, estavas na carrinha dos bombeiros pronto para ser levado para a morgue. Andei devagar até à carrinha, com receio do que iria encontrar.

Arranjei forças e entrei. Assim que te vi, lágrimas não paravam de descer do meu rosto, senti-me desmoronar peça por peça. Não queria acreditar que estavas mesmo morto, só quando te toquei. Estavas gelado! Queria tanto dizer que te amo uma última vez, queria dizer que foste o único homem da minha vida. Mas acabei por não ter tempo suficiente para to dizer. Se ao menos não tivéssemos tido aquela discussão, tu provavelmente ainda estarias vivo.

Nos primeiros tempos foi-me difícil aceitar que já não estavas aqui comigo, que já nunca mais te ia ver. Foi difícil e custou-me muito, mas com o tempo acabei por me conformar. Só quero que saibas que sinto muitas saudades tuas e de tudo o que passámos. Só quero que saibas que te amo muito e que nunca vou esquecer as memorias que fizemos juntos.

Da tua esposa que te ama muito,

                                               Conceição      

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