É véspera de natal e cá estou eu sentada
num banco do jardim onde nos conhecemos… Faço o mesmo há cinco anos, todas as semanas
desde o dia que faleceste, dia 24 de dezembro. Sempre que cá venho lembro-me da
nossa história porque para além das nossas filhas, netos e bisnetos, é tudo o que me
resta de ti…
As
nossas famílias sempre foram amigas, conheci-te quando tínhamos onze anos,
neste parque onde eu estou sentada, eras um rapazinho engraçado e bonito,
pensei eu na altura. As nossas famílias foram ficando cada vez mais próximas e
juntavam-se mais vezes, mas nós não nos importávamos e à medida que os anos
passavam fomo-nos tornando cada vez mais próximos. Éramos muito amigos, falávamos
sobre tudo um com o outro, era tão fácil falar contigo talvez por sermos tão parecidos,
gostávamos dos mesmos livros, das mesmas músicas, dos mesmos filmes e até o
nosso sentido de humor era parecido…
Com
o passar dos anos comecei a apaixonar-me por ti. Era uma miúda bastante tímida no
que tocava a rapazes e por isso não era capaz de te dizer o que sentia por ti
Aos meus dezoito anos, os meus pais foram fazer uma viagem às Caraíbas para celebrar os
seus trinta anos de casamento. No dia do seu regresso eu tinha passado o dia a
limpar e a deixar a casa bonita, tinha até feito um bolo e pendurado uma grande
faixa que dizia “bem-vindos a casa”. Quando ouvi a campainha corri para a
porta, arranjei o vestido, e abri-a com um grande sorriso… Mas para minha
surpresa não eram os meus pais mas sim os teus com um olhar muito triste, o teu
pai desviou-se e vi que também lá estavas com lágrimas nos olhos, foi quando percebi
que algo não estava bem. A tua mãe disse que o avião tinha tido um problema
e que se tinha despenhado, não havia sobreviventes… Tudo se estilhaçou em mil
pedaços como se eu fosse um pedaço de vidro a cair de um prédio de muitos
andares. Não conseguia acreditar no que estava a acontecer, a tua mãe deu-me um
abraço mas eu não me conseguia mexer. Eu era filha única e os meus pais pouco
falavam com os meus avós e tios, por isso, estava sozinha não tinha ninguém…
Quando a tua mãe me largou eu só lhe disse que precisava de estar sozinha, ela
disse iria estar ali sempre para mim, que eu era como uma filha para ela e que no dia seguinte me viria buscar para o funeral. Os teus pais dirigiram-se para a porta
mas tu ficaste para trás, via- -se que não sabias o que dizer ou fazer, consegui
perceber que já tinhas chorado, olhaste para mim só disseste “lamento imenso”,
não fui capaz de responder, a tua mãe chamou- -te e disseram “até amanhã” fechando
a porta atrás de si… Durante a noite fiquei apenas a pensar, e lembrei-me de
uma frase “se ninguém no mundo se importa contigo, será que existirás mesmo?”.
Na manhã seguinte lá estavam os teus pais à hora marcada. Seguimos em silêncio
para a igreja e quando o padre começou a falar comecei a tremer e a ficar com a
respiração ofegante, foi quando senti a tua mão na minha, os teus dedos a
entrelaçarem-se nos meus e senti-me mais calma. Seguimos para o crematório,
ainda não tinha dito uma palavra o dia todo, nem uma única lágrima tinha
derramado dos meus olhos pela morte dos meus pais. Quando os caixões se
aproximaram do forno é que me apercebi, os meus pais estavam mortos, estava
sozinha, não tinha ninguém… Caí de joelhos no chão, dei um grito e finalmente
comecei a chorar. Baixaste-te e agarraste-me pois parecia que eu não conseguia
suportar o peso do meu próprio corpo e fiquei a chorar contra o teu peito até
que todos se foram embora… Levaste-me a casa e disseste que ias ficar ali
comigo o tempo que fosse preciso…
Passou-se
uma semana sem que eu dissesse grande coisa, apenas chorava e só comia porque
tu me obrigavas. Mas tu não te foste embora e ficaste aquele tempo todo comigo.
Passado uma semana virei-me para ti ainda a chorar e disse-te que estava
sozinha e que não tinha ninguém. Tu simplesmente olhaste para mim e disseste que
isso era mentira, que estavas lá e que não ias a lado nenhum… foi quando me
beijaste.
Apesar
do nosso primeiro beijo ter sido nestas circunstâncias, foi maravilhoso...
Passados
dois anos de namoro pediste-me em casamento. O casamento foi lindo e perfeito.
Tivemos
duas filhas e cada uma delas nos deu dois netos, que por sua vez nos deram seis bisnetos.
Deste-me
tudo o que alguém poderia querer, uma vida de alegrias e felicidades. Estou extremamente
grata por tudo e adorei todos os momentos passados ao teu lado.
Faleceste
com noventa e dois anos, na véspera de Natal, há cinco anos atrás e recordo agora
com ternura e saudade a nossa história neste banco de jardim, até me juntar a
ti…
Lena
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