sábado, 20 de dezembro de 2014

Até me juntar a ti...

     É véspera de natal e cá estou eu sentada num banco do jardim onde nos conhecemos… Faço o mesmo há cinco anos, todas as semanas desde o dia que faleceste, dia 24 de dezembro. Sempre que cá venho lembro-me da nossa história porque para além das nossas filhas, netos e bisnetos, é tudo o que me resta de ti…
    As nossas famílias sempre foram amigas, conheci-te quando tínhamos onze anos, neste parque onde eu estou sentada, eras um rapazinho engraçado e bonito, pensei eu na altura. As nossas famílias foram ficando cada vez mais próximas e juntavam-se mais vezes, mas nós não nos importávamos e à medida que os anos passavam fomo-nos tornando cada vez mais próximos. Éramos muito amigos, falávamos sobre tudo um com o outro, era tão fácil falar contigo talvez por sermos tão parecidos, gostávamos dos mesmos livros, das mesmas músicas, dos mesmos filmes e até o nosso sentido de humor era parecido…
     Com o passar dos anos comecei a apaixonar-me por ti. Era uma miúda bastante tímida no que tocava a rapazes e por isso não era capaz de te dizer o que sentia por ti
    Aos meus dezoito anos, os meus pais foram fazer uma viagem às Caraíbas para celebrar os seus trinta anos de casamento. No dia do seu regresso eu tinha passado o dia a limpar e a deixar a casa bonita, tinha até feito um bolo e pendurado uma grande faixa que dizia “bem-vindos a casa”. Quando ouvi a campainha corri para a porta, arranjei o vestido, e abri-a com um grande sorriso… Mas para minha surpresa não eram os meus pais mas sim os teus com um olhar muito triste, o teu pai desviou-se e vi que também lá estavas com lágrimas nos olhos, foi quando percebi que algo não estava bem. A tua mãe disse que o avião tinha tido um problema e que se tinha despenhado, não havia sobreviventes… Tudo se estilhaçou em mil pedaços como se eu fosse um pedaço de vidro a cair de um prédio de muitos andares. Não conseguia acreditar no que estava a acontecer, a tua mãe deu-me um abraço mas eu não me conseguia mexer. Eu era filha única e os meus pais pouco falavam com os meus avós e tios, por isso, estava sozinha não tinha ninguém… Quando a tua mãe me largou eu só lhe disse que precisava de estar sozinha, ela disse iria estar ali sempre para mim, que eu era como uma filha para ela e que no dia seguinte me viria buscar para o funeral. Os teus pais dirigiram-se para a porta mas tu ficaste para trás, via- -se que não sabias o que dizer ou fazer, consegui perceber que já tinhas chorado, olhaste para mim só disseste “lamento imenso”, não fui capaz de responder, a tua mãe chamou-  -te e disseram “até amanhã” fechando a porta atrás de si… Durante a noite fiquei apenas a pensar, e lembrei-me de uma frase “se ninguém no mundo se importa contigo, será que existirás mesmo?”. Na manhã seguinte lá estavam os teus pais à hora marcada. Seguimos em silêncio para a igreja e quando o padre começou a falar comecei a tremer e a ficar com a respiração ofegante, foi quando senti a tua mão na minha, os teus dedos a entrelaçarem-se nos meus e senti-me mais calma. Seguimos para o crematório, ainda não tinha dito uma palavra o dia todo, nem uma única lágrima tinha derramado dos meus olhos pela morte dos meus pais. Quando os caixões se aproximaram do forno é que me apercebi, os meus pais estavam mortos, estava sozinha, não tinha ninguém… Caí de joelhos no chão, dei um grito e finalmente comecei a chorar. Baixaste-te e agarraste-me pois parecia que eu não conseguia suportar o peso do meu próprio corpo e fiquei a chorar contra o teu peito até que todos se foram embora… Levaste-me a casa e disseste que ias ficar ali comigo o tempo que fosse preciso…
     Passou-se uma semana sem que eu dissesse grande coisa, apenas chorava e só comia porque tu me obrigavas. Mas tu não te foste embora e ficaste aquele tempo todo comigo. Passado uma semana virei-me para ti ainda a chorar e disse-te que estava sozinha e que não tinha ninguém. Tu simplesmente olhaste para mim e disseste que isso era mentira, que estavas lá e que não ias a lado nenhum… foi quando me beijaste.
      Apesar do nosso primeiro beijo ter sido nestas circunstâncias, foi maravilhoso...
    Passados dois anos de namoro pediste-me em casamento. O casamento foi lindo e perfeito.
      Tivemos duas filhas e cada uma delas nos deu dois netos, que por sua vez nos deram seis bisnetos.
      Deste-me tudo o que alguém poderia querer, uma vida de alegrias e felicidades. Estou extremamente grata por tudo e adorei todos os momentos passados ao teu lado.
     Faleceste com noventa e dois anos, na véspera de Natal, há cinco anos atrás e recordo agora com ternura e saudade a nossa história neste banco de jardim, até me juntar a ti…


Lena

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